Carmézia Emiliano (Normandia, Roraima, 1960). Artista plástica. Considerada uma expressiva representante da arte naïf no Brasil, a artista indígena da etnia macuxi exprime em suas obras mitos, festas, cotidiano, relação com a natureza e a ancestralidade de seu povo. Com telas pintadas utilizando tinta óleo e acrílica, seus trabalhos são reconhecidos pelo uso de cores fortes e detalhes que compõem uma espacialidade inusitada no quadro.
Artista autodidata, Carmézia Emiliano pinta sua primeira tela em 1992, com materiais doados por um amigo que conhece no meio artístico de Boa Vista, quando se muda da Maloca do Japó, onde vivia com a comunidade Macuxi, e chega à cidade. Esse trânsito entre maloca1 e cidade impulsiona a criação poética da artista, que deseja que sua pintura, cuja origem se encontra em sua memória e vivência com os indígenas, seja um amuleto para o não esquecimento de suas tradições.
As obras de Emiliano, considerada um expoente da arte naïf, trazem em seu bojo a rotina da maloca – como plantio, colheita, preparo de alimentos e artefatos –, mostrando a presença dos indígenas nas diferentes atividades, como nas obras Desfiando o algodão (1998) e Espremendo caju (2008). Seus trabalhos demonstram também alguns mitos de constituição de sua cultura, conforme as telas intituladas Monte Roraima (2009) e A lenda do Caracaranã (2009), ambas histórias constituintes da cosmologia do povo Macuxi.
Suas telas demonstram uma liberdade de composição e proporção, ao escolher como representar os destaques do quadro, ao fazer repetições e ao eleger de que forma estarão presentes na superfície. A obra Vinte e cinco anos fazendo arte (2017) divide o espaço em camadas e quadros menores para ocupar toda espacialidade da tela. Com quadrados fracionando a tela em 24 cenas, o trabalho apresenta todo o universo da artista, narrando diversos momentos de sua produção e vivência enquanto mulher indígena. Ao centro da tela está representada a Wazaká, a árvore da vida, elemento fundamental na tradição indígena dos Macuxi. As demais cenas narram atividades do contexto de seu povo, em plantações, caça e colheita, e trazem à tona a história de todos os anos em que Carmézia trabalha como artista plástica, representando seu universo familiar e pictórico.
A obra Aprendendo (2020) também se vale de uma espacialidade própria. Ao centro, há um ambiente de ensino formal, com uma lousa, uma pessoa ensinando e outras pessoas sentadas em cadeiras, aprendendo. No entanto, ao olharmos ao redor desta cena, há inúmeros outros episódios onde o aprendizado se faz presente de diferentes maneiras. Corpos indígenas são representados em suas mais variadas tarefas, nas quais acontece o ensinar-aprender de técnicas ancestrais, como tecer, cozinhar, moer, trançar, entre outras.
Entre 2006 e 2014, participa das edições da Bienal Naïfs do Brasil, realizadas no Sesc Piracicaba, e é nesse contexto que se reconhece como artista naïf. Em sua primeira participação na bienal, em 2006, ganha o Prêmio Aquisição da instituição, com sua obra passando a fazer parte do acervo do Sesc SP.
Sua primeira individual, chamada Lendas, Costumes e Histórias do Povo Macuxi, é realizada em 1996 e tem lugar no Sesc Roraima em Boa Vista. A partir de então, Carmézia Emiliano se firma como artista e começa a participar de diferentes mostras pelo Brasil. Alguns exemplos expressivos de exposições coletivas são: Primeiro Encontro de Todos os Povos (2013), que reúne diferentes técnicas artísticas produzidas por indígenas da região; 3ª Frestas – Trienal de Artes (2021-2022); Moquém_Surarî: Arte Indígena Contemporânea (2021), no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP); 31º Programa de Exposições do CCSP (2021); Histórias Brasileiras (2022), no Museu de Arte de São Paulo (Masp); Contramemória (2022), Theatro Municipal de São Paulo, entre outras.
É convidada para a exposição Vaivém (2019), nas sedes do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), com seis obras diferentes, mas todas ligadas ao universo de feitura das redes, tema da mostra. Duas obras destacam-se: Redes (2019) e Fazendo redes (2019), as quais mostram o processo de confecção das redes para descanso da etnia Macuxi e mostra, como é comum em outras obras de Emiliano, o protagonismo feminino em diferentes momentos da rotina da maloca.
Seu trabalho como artista é reconhecido em diversos prêmios nacionais, dentre eles o Prêmio Buriti da Amazônia de Preservação do Meio Ambiente, na categoria revelação, em 1996, e o Prêmio de Notoriedade Cultural, concedido pelo Governo do Estado de Roraima, em 2003.
Com trabalhos que revelam as tarefas executadas pelos indígenas de sua maloca, Carmézia Emiliano retrata em suas obras uma poética do cotidiano, com figuras feitas com traços simples e fazendo uso de muitas cores. Cenas rotineiras, como tecer, cozinhar e ensinar, muitas vezes com as mulheres como protagonistas, são simbolizadas nos trabalhos da artista, bem como também são estampados mitos e lendas que constituem a história do povo Macuxi. Representante da arte naïf do Brasil, Emiliano expõe em suas obras a construção da identidade de seu povo e reforça a importância da memória e tradição para confecção de seus trabalhos.